terça-feira, 29 de setembro de 2009

Mais Bernardo Soares...

Há momentos em que tudo cansa, até o que nos repousaria. O que nos cansa porque nos cansa; o que nos repousaria porque a ideia de o obter nos cansa. Há abatimentos da alma abaixo de toda a angústia e de toda a dor; creio que os não conhecem senão os que se furtam às angústias e às dores humanas, e têm diplomacia consigo mesmos para se esquiar ao próprio tédio. Reduzindo-se, assim, a seres couraçados contra o mundo, não admira que, em certa altura da sua consciência de si-mesmos, lhes pese de repente o vulto inteiro da couraça, e a vida lhes seja uma angústia às avessas, uma dor perdida.
Estou em um desses momentos, e escrevo estas linhas como quem quer ao menos saber que vive. Todo o dia, até agora, trabalhei como um sonolento, fazendo contas por processos de sonho, escrevendo ao longo do meu torpor. Todo o dia me senti pesar a vida sobre os olhos e contra as têmporas - sono nos olhos, pressão para fora das têmporas, consciência de tudo isto no estômago, náusea e desalento.
Viver parece-me um erro metafísico da matéria, um descuido da inacção.
Tenho mais sono íntimo do que cabe em mim. E não quero nada, não prefiro nada, não há nada a que fugir.

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