terça-feira, 21 de junho de 2011

Estrela da Manhã

O Sonho

O suor escorria-lhe cara a baixo, ardia-lhe nos olhos, o fumo e o cheiro a enxofre enchia-lhe os pulmões, sentia os pulsos a arder, e nas costas escorria um líquido viscoso e quente até as pernas. A esforço tombou a cabeça no seu ombro direito, olhou e viu as grilhetas metálicas incandescente em brasa que se apertavam em volta dos seus pulsos, esticando os braços cada um na direcção oposta. Perde as forças e deixa cair a cabeça em direcção ao chão, e vê que o líquido viscoso e quente que lhe corre pelas costas é sangue que forma uma poça mesmo por baixo dos seus pés suspensos.
- As minhas aaaasas... - O grito sai gutural e abafado pelo sangue que se acumula na garganta, engasga-se e vomita-o em convulsão, sangue e mais sangue.
O seu corpo retesa-se em fúria, e quase desiste ao sentir a dor percorrer-lhe as costas, e as longas feridas abertas onde antes tinhas as asas espirram mais sangue.
O fedor da sua carne a arder nos pulsos, o suor que lhe tolda a visão e o vapor escaldante que emana das paredes da caverna quase o impedem de ver quando eles, seres a quem uma vez ele chamou de irmãos, entram com ela, nua com os braços presos a trás das costas e cortes profundos das garras deles a marcarem-lhe a carne. atiraram-na para o chão, um fio de sangue escorrer-lhe da boca até ao chão. Quando o seu belo rosto, agora desfigurado pelos punhos deles se ergue para encontrar os seus olhos, uma lâmina penetra das costas para aparecer no meio do seu peito num vermelho brilhante, os lábios dela mexem-se mas não ouve som, mas ele percebe o que dizem… - Amo-te…

- Nãããããoooo…- O grito surge na sua garganta como um reflexo na sua garganta, como um rugido, dobra-se sobre si mesmo, sentado na cama arfando e massajando os pulsos como se os acabasse de libertar de umas algemas. Ainda conseguia sentir o ardor nas costas junto aos omoplatas, como se algo lhe tivesse sido arrancado da pele, deixando uma ferida aberta.
A tremer e a cambalear força-se para fora da cama em direcção a casa de banho, debruça-se pesadamente sobre o lavatório e abre urgentemente a torneira de água fria, enche uma mão com água e lava o rosto, e olha-se ao espelho…
- Estas todo fudido meu… - E antes de conseguir terminar o impulso de vomitar leva-o a jogar-se de joelhos em frente da sanita…

São 4:45 da manhã e está um calor impossível na rua. Ele caminha como que embriagado na escuridão, é todos os anos o mesmo sonho, desde que se lembra, sempre o mesmo sonho, sempre o teve, em Agosto, sempre no dia 23 de Agosto. Mas desta vez foi diferente, desta vez foi como se tivesse mesmo lá estado, tão real que ainda sentia os pulsos magoados e o ardor nas costas ao ponto de ter tido dificuldade em vestir uma t-shirt. Chegou a cabine telefónica, insere o cartão pré-pago e marca o número, ouve o som de chamada e um momento depois a voz rouca e ensonada de um homem:
- Foda-se, não sabem que horas são caralh…
- Sou eu…
- Foda-se meu, não tens… - Uma pausa, e num tom grave ouve no auscultador:
- Feliz aniversário meu, onde estás?
- No sítio do costume.
- Dá-me 15 minutos, já aí vou ter.
Desliga o telefone, e cambaleia para um beco ainda mais escuro.

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